Home  >  Tópicos informativos  >  As crises, pontos de viragem na vida  >  Luto e crise — Encontrar novas perspetivas
Export PDF

Luto e crise — Encontrar novas perspetivas

O luto é uma perda, uma perda de algo que estimamos. Perder um ente querido é vermo-nos privados de alguém muito importante para nós. Não lhe pedem a opinião, só se vê catapultado/a — de um momento para outro — para uma realidade que não escolheu. Os caminhos do luto variam muito de pessoa para pessoa e tomam o tempo que for necessário. Andam de mãos dadas com as crises que é necessário ultrapassar e das quais em última instância — como a luz ao fundo do túnel — podem surgir novas perspetivas.

Há poucas semanas, a senhora idosa decidiu, juntamente com a filha, que tinha chegado o momento de ir para o lar de idosos. No último ano tinha perdido muita da sua energia vital, estava meio esquecida e frágil, já não poderia continuar a viver sozinha. A decisão também tinha sido difícil para a filha, que, nas últimas semanas, regressava a casa de cada visita com um ligeiro temor e a tristeza de que aquela visita poderia ter sido a última. Um dia toca o telefone… e a filha fica sem pinga de sangue ao receber a funesta notícia.

A esposa tem de encostar-se à ombreira da porta, porque sente que lhe faltam as forças nas pernas: tem à sua frente dois polícias que lhe comunicam que o marido acabou de morrer num acidente de moto. Ouve-os dizer: «Lamentamos, mas já não pudemos fazer nada por ele» e já não compreende mais nada do que lhe dizem. Tudo redemoinha na cabeça, o coração bate vertiginosamente e afoga-se-lhe um grito na garganta.

O casal esperava com uma alegria infinita um segundo filho. Até ao início do oitavo mês da gravidez tudo tinha sido normal. O médico, na última visita, tinha recomendado à grávida um pouco mais de repouso. E ontem começaram as contrações. Foi à clínica com o marido, relativamente relaxada apesar de tudo, deixando o mais velhito com os avós. Na clínica, tudo se precipitou de modo frenético. Na sua cabeça não para de martelar a palavra «nado-morto». Mal consegue deixar de olhar para a filha, que jaz ao seu lado.

Um vazio surdo, o bater do coração que martela na cabeça, um silêncio em surdina quando tudo à volta é ruidoso. Talvez se lembre da sensação que teve quando lhe deram a notícia da morte de uma pessoa querida. O que sentiu no primeiro momento, que talvez lhe tenha ficado gravado no mais profundo do seu ser.

 

Facetas do luto

A partir desse momento, sentiu-se empurrado/a para um processo de luto contra a sua vontade, sem o ter decidido; para um processo que o/a vai acompanhar e o/a vai mudar para o resto da vida.

Os caminhos do luto são tão diferentes como as pessoas. O seu será diferente do de outras pessoas. Por isso, o luto pode descrever-se como várias facetas que se entrelaçam, se repetem ou se sobrepõem[1].

Nos primeiros dias após a morte da senhora idosa, a filha tem mil coisas para organizar: a funerária, os anúncios no jornal, o serviço religioso, escrever umas palavras para o elogio fúnebre, reservar o restaurante ou arrumar o quarto da mãe. E vai fazendo o que é necessário como se estivesse em transe.

A esposa está rodeada de muitos amigos e familiares que a ajudam a suportar os primeiros dias após o acidente mortal do marido. Está ali sentada, quase indiferente e em estado de choque. Também a ajudam com as formalidades. É com grande dificuldade que consegue assistir ao funeral.

Os dias que se seguem ao parto a mãe vive-os como se estivesse no meio do nevoeiro. Só à custa de um enorme esforço se ocupa do filho mais velho. O marido ocupa-se dos muitos trâmites necessários, o que lhe permite distrair-se um pouco da sua dor. Muitos familiares e amigos da pequena aldeia reúnem-se em torno da família.

Nos primeiros dias que se seguem à morte de uma pessoa, há muitas coisas para organizar, coisas que você ou os seus familiares próximos têm de fazer. Estas coisas podem distraí-lo/a, mas também podem tornar-se num fardo adicional. E, por muito banal que pareça e ainda que nestes momentos lhe custe, há que comer, beber, dormir e cuidar dos filhos.

Num momento como este surgem muitas perguntas: Como saio daqui? Como posso resistir e aguentar isto? Quem me ajuda? E, eventualmente, em quem posso confiar agora? Que funeral teria querido o falecido? Como queria ser enterrado?

Até aqui, provavelmente estava habituado/a a fazer tudo por si próprio/a na sua vida quotidiana. E talvez agora o que acontece é que tem de aceitar a ajuda e o apoio de outros, que, por sua vez, o possam aceitar a si.

A filha toma realmente consciência de que a mãe morreu ao arrumar o conteúdo das caixas que trouxe do lar de idosos. A roupa conserva vestígios do perfume da mãe e encontra objetos que lhe trazem boas lembranças. A ausência torna-se palpável e dolorosa; acabaram-se as chamadas telefónicas habituais. E deixa pela primeira vez correr as lágrimas.

Pouco a pouco, a esposa toma consciência de que o marido nunca mais vai entrar pela porta, de que já não lhe dará um beijo ao chegar a casa. Por vezes, ainda sente o impulso de lhe enviar uma mensagem SMS para lhe contar alguma coisa. O choque continua a ser profundo. Sente-se muito longe de si própria e dos outros.

Hoje é a primeira vez que a mãe entra no quarto da bebé, mobilado com tanto amor. E toma dolorosamente consciência de que nunca irá ouvir a filha rir ou chorar nesse quarto. Fica um bom bocado sentada a chorar na quietude do quarto.

Progressivamente, vai-se dando conta de que a pessoa por quem está de luto já não existe; de que a pessoa querida está morta. Pode ser que isso tenha agora para si um significado diferente. O que até agora só acontecia aos outros toca-lhe agora. Talvez pense em como foram os últimos momentos antes da morte da pessoa, ou talvez se sinta muito próximo/a dela, em diálogo mental com ela. É também possível que mudem os seus pensamentos e imagens sobre o que vem depois da morte.

Depois do vazio e do silêncio que rodeiam a filha, apodera-se dela agora um grande cansaço. Apesar disso, sente também uma grande gratidão por tudo o que a mãe lhe transmitiu. E está em cólera com o irmão, que não se preocupou com nada e nem sequer deseja ter um contacto mais próximo com ela. E dá-se conta de como todos estes sentimentos ambivalentes a cansam.

Na estupefação e no choque da esposa há uma componente de desespero: interroga-se como vai ultrapassar a situação. Tudo o que se avizinha lhe parece uma montanha enorme. Sente-se culpada porque pouco antes se tinham disputado por uma ninharia, coisa que nunca poderão esclarecer. Considera uma grande injustiça que lhe tenham levado assim o marido: essa carrinha que não respeitou a prioridade.

«Por que razão nos aconteceu isto a nós?» perguntam-se os jovens pais uma e outra vez. O pai chora desconsolado, a mãe sente uma tristeza infinita e um profundo desespero; sente um vazio no ventre, sente falta de ter a bebé nos braços e de não lhe poder dar o peito. Quase não suporta passar perto de um carrinho de bebé. O filho anda furioso e demonstra-o aos pais, que não têm tempo para ele. Os pais estão conscientes disso e sentem-se culpados.

Por vezes também acontece que as pessoas de luto vivem momentos fugazes de felicidade. Por terem conhecido o falecido, ainda que, por vezes, só de forma fugaz. Outras vezes, do interior profundo surge o riso e relaxa-se a tensão.

Que emoções se produzem em si? Talvez por momentos se sinta submergido por sentimentos tão diferentes, tenha receio de perder o pé, ou a sensação de que já não se reconhece, de que já não pode confiar em si mesmo/a nem nas decisões que toma. Saiba que não é o/a único/a a ter estes pensamentos, perguntas e sentimentos arrasadores, pois fazem parte do processo de luto e aparecem no seu percurso pessoal quando «chega a sua vez».

Para além da tristeza, a filha dá-se conta de que gostaria de ter claro para si própria como fazer face ao ressentimento e à ira que sente em relação ao irmão. Embora isso lhe custe e requeira muita reflexão sobre si própria e a sua família, vê a situação como uma oportunidade de crescimento pessoal. Os amigos acusam-na de se ter fechado sobre si própria e de não cuidar das amizades.

O casal tinha construído uma casa há alguns anos, pedindo em conjunto um empréstimo significativo, que ela sozinha não poderá reembolsar. Além disso, não consegue tirar o falecido marido do pensamento: a sua morte é para ela uma ferida que não quer cicatrizar. Após a primeira vaga de apoio das pessoas próximas, sente-se agora bastante só, o que constitui um fardo adicional, e ainda mais porque antes não se ocupou pessoalmente de muita coisa. Não vê como vai ser capaz de retomar o trabalho nesse estado. O seu desespero impele-a a chamar o Telefone da Esperança, onde pela primeira vez fala livremente sobre a sua dor. A sua interlocutora dá-lhe o endereço de um centro especializado, em que ela marca consulta. Após a primeira consulta sente-se aliviada porque sente que alguém a ouviu.

Os jovens pais sentem-se sozinhos sem a filha, dão muitas voltas à cabeça e disputam-se cada vez mais. Falam disso e exprimem o receio de se irem afastando um do outro e de não serem bons pais para o outro filho. Na consulta seguinte do pediatra, a mulher vê um folheto de um grupo de autoajuda para pais que perderam um filho. E planeia ir com o marido à reunião seguinte.

Não é só o facto de ter perdido uma pessoa importante, mas também ter de proceder a muitas adaptações: na sua vida quotidiana, na sua profissão ou no seu círculo de amigos.

Acorrem muitos pensamentos de tristeza que não encontram caminho para o exterior, mas que só você conhece e percebe, e que podem afastá-lo/a muito dos outros. Poderá precisar de dedicar toda a sua atenção a si próprio/a, o que pode fazer com que não esteja atento/a aos outros, e também que descure o que tem de fazer. Pergunte às pessoas à sua volta, também à sua entidade patronal, se achar que isso é importante.

A adaptação à nova situação pode ser um processo muito difícil para ambas as partes, para os familiares e amigos e para si: tem de poder resistir à insistência dos outros em que «tem de estar bem» e os outros têm de aceitar que, por agora, não se encontre melhor.

Procure a companhia de quem tenha tempo, paciência e a dose certa de atenção e compreensão. Pessoas que a deixem evoluir ao seu ritmo e que a ajudem a orientar-se.

A filha pôs vários objetos da mãe, importantes para si, em locais onde passa frequentemente. Na sua vida quotidiana a mãe está sempre presente no seu pensamento. Acabou também por compreender as expectativas que tinha relativamente ao irmão, e que este não pode preencher, e isto faz com que esteja mais em paz consigo própria.

A esposa está orgulhosa de ter conseguido vender a casa e de se mudar para um apartamento mais pequeno. Sente-se bem acompanhada no seu processo de luto. É importante para ela ver que pode tomar sozinha decisões que antes tomavam juntos. Isto dá-lhe forças e uma nova energia vital para prestar outra vez mais atenção aos outros.

Aos pais ajudou-os conversar com outros pais no grupo de autoajuda. Isso contribuiu para que cada um encontrasse o seu próprio modo de lidar com a morte da filha, o que também os fortaleceu enquanto casal. O dia de aniversário, que também é o dia da morte, converte-se num momento especial do ano.

Que lembranças tem do falecido? O que é particularmente importante para si? O que é que lhe é útil? Há lembranças que são sobretudo um peso? Há pessoas com quem possa partilhar essas lembranças?

Preservar a memória significa também preservar algo de valioso. Pode tratar-se de um espaço, de um local para se encontrar com o falecido, da forma que lhe convier. Pode igualmente assumir a forma de sonhos ou perceções que lhe recordem essa pessoa e o/a mantenham ligado/a a ela.

O encontro entre ela e o irmão serviu para esclarecer as coisas e ultrapassar alguns mal-entendidos anteriores, o que os aproximou de novo. A filha sente que o luto a tornou mais forte e sente-se pronta para novos desafios profissionais. Também quer realizar um desejo pessoal, que a sua mãe com os seus medos sempre conseguiu impedir: aprender a voar em asa delta.

Para a esposa, ao princípio não era concebível uma vida sem o marido. Aprendeu muitas coisas, nomeadamente a lidar sozinha com determinadas situações da vida quotidiana. Adquiriu autoestima e força. Também gente que a conhece há muito lhe confirma que está a abrir-se, que mudou para melhor. Continua a sentir-se muito ligada ao falecido marido e, ao mesmo tempo, sente-se pronta para o contacto com outras pessoas. Começa agora a poder imaginar iniciar uma nova relação.

Uma vez que a jovem família emergiu mais forte da crise, há boas notícias: esperam outra vez um bebé, o que a todos alegra. Ela desfruta da gravidez e ambos mantêm uma atitude positiva face ao parto. Também falam abertamente das suas preocupações. Ambos participam ativamente no grupo de autoajuda, porque consideram que é importante apoiar outras pessoas em situações semelhantes.

Os caminhos do luto ilustrados são meros exemplos. Você tem (ou teve) o seu próprio caminho, com os seus desvios, becos sem saída e estradas esburacadas. O seu percurso é intransmissível, como também o são as mudanças inerentes ao luto.

Pode dizer em que é que observa mudanças em si mesmo? O seu percurso provocou mudanças na forma como encara as coisas ou nos seus valores? Tem outra visão ou dá-se outras prioridades em relação a antes? Talvez tenha a sensação de estar, por fim, a viver o que deseja viver. Mudou algo na sua vida em relação a outras pessoas? Mudou a sua opinião em temas de sociedade?

Talvez algumas destas perguntas lhe sejam familiares, ou talvez se faça a si próprio/a outras muito diferentes. Pode acontecer que, no seu processo de luto, lhe tenham ficado claras algumas coisas que antes não tinha visto. E talvez consiga descobrir na dor algo de novo, que lhe abra novas perspetivas e o/a deixe viver a sua vida — ainda que não seja da forma que tinha esperado.

* * *

As pessoas entram na nossa vida
e acompanham-nos numa parte do caminho.
Algumas ficam para sempre
porque deixam uma marca
no nosso coração.

Cada morte anuncia uma nova vida.
Morrer é mudar-se para outro lugar.
Ergueu-se da neblina em direção ao sol.
Onde acabam as palavras, começa a música.
Vira-te para o sol e as sombras ficarão atrás de ti.

(Provérbio etíope)

 

[1] Chris Paul, Kaleidoskop des Trauerns, www.trauerinstitut.de

Retour en haut de page